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Denúncias não impedem homicídios

Pesquisa traça perfil de vítimas e de autores de crimes contra a mulher

  • Publicado: Quarta, 05 de Fevereiro de 2020, 09h17
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Criada em 2006, a Lei Maria da Penha estabelece que a violência doméstica e familiar contra a mulher pode ser expressa por meio de: violência física (empurrões, mordidas, tapas, socos e golpes com o uso de objetos), violência sexual (entendida como qualquer ação que obrigue a vítima a qualquer atividade sexual não consentida, por meio da intimidação, da ameaça ou do uso da força física ou do impedimento do uso de anticoncepcionais), violência psicológica (ameaças, chantagens, xingamentos, vigilância constante e limitação do direito de ir e vir).

No ano de 2015, foi criada a Lei do Feminicídio, que alterou o Código Penal para incluir mais uma modalidade de homicídio qualificado, quando o crime for praticado contra a mulher, em decorrência do fato de ela ser mulher. Em 2018, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mais de 500 mulheres foram agredidas fisicamente a cada hora. Cerca de 16 milhões de mulheres acima de 16 anos já haviam sofrido algum tipo de violência, 42% delas foram vítimas de violência dentro de casa. Atualmente, a Organização Mundial da Saúde considera a violência contra a mulher um problema de saúde pública.

A violência como forma de intimidação é uma prática antiga, presente em todas as classes sociais, nas instituições, nas religiões, nas culturas e nos grupos etários. “A naturalização da violência impede que as mulheres se percebam vítimas da agressão, fazendo com que o número de casos seja subdimensionado e difícil de contabilizar”, afirma a enfermeira Valquiria Rodrigues Gomes, autora da dissertação Vitimização por homicídio de mulheres vítimas de violência doméstica no estado do Pará.

A pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de investigar se as mulheres vítimas dos homicídios relacionados à violência doméstica em 2015, registrados no Sistema Integrado de Segurança Pública, realizaram ocorrência formal nas delegacias, de 2010 a 2015, no estado do Pará. “Buscamos identificar o perfil socioeconômico e demográfico dessas vítimas e dos autores do homicídio, além de apontar o papel do enfermeiro na prevenção e na redução de homicídios de mulheres vítimas de violência doméstica”, explica a pesquisadora. A dissertação foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PPGENF/ICS), com orientação da professora Vera Lúcia de Azevedo Lima.

Situações de violência acontecem dentro de casa

Baseado no banco de dados da Secretaria Adjunta de Inteligência e Análise Criminal (SIAC), foram identificados 238 Boletins de Ocorrência de homicídios de mulheres no Pará. Destes, foram excluídos 140 BOs por não tratarem de violência doméstica e 31 por insuficiência de informações, restando 67 BOs, os quais constituíram a população da pesquisa.

“Com base na análise dos homicídios, observa-se que 22% das vítimas tinham de 25 a 29 anos; e 14%, 20 a 24 anos. Em relação aos autores do homicídio, 21% tinham a idade entre 25 e 29 anos, seguidos daqueles que tinham 30 a 34 anos (19%)”, expõe Valquíria Rodrigues Gomes. A pesquisa aponta que o homicídio de mulheres em razão de violência doméstica caracteriza-se pelo vínculo afetivo entre vítima e autor do crime. Os Boletins de Ocorrência indicam que 45% das mulheres foram mortas pelo companheiro ou marido; 20%, pelo ex-companheiro ou ex-marido; e 16%, pelo namorado/amante.

Dos 67 casos de homicídios de mulheres vítimas de violência doméstica analisados, apenas duas vítimas registraram ocorrência por violência doméstica pelo mesmo autor do crime. No primeiro caso, a vítima realizou três registros de ocorrência, nos meses de outubro e novembro de 2014, e foi morta em janeiro de 2015. Já a segundo a vítima denunciou o agressor à polícia em julho de 2015 e veio a óbito em setembro do mesmo ano.

“O enfermeiro torna-se importante para a realização de um planejamento de estratégias para a redução deste problema, pois este profissional atua na assistência direta e integral às vítimas. É importante capacitar os profissionais das áreas de saúde, de segurança pública e de outras áreas do conhecimento para que eles possam identificar a violência doméstica no seu contexto e realizar o acolhimento adequado às vítimas”, afirma a pesquisadora.

Vulnerabilidade socioeconômica dificulta denúncia

A maioria das vítimas (78%) tem ensino fundamental, incompleto ou completo. Os autores do homicídio (68,75%) apresentam o mesmo nível de escolaridade. A pesquisadora Valquíria Gomes enfatiza que mulheres com menor escolaridade podem estar inseridas em situações de violência doméstica, não somente por falta de conhecimento sobre os seus direitos, mas também pela vulnerabilidade socioeconômica e pela dependência financeira do agressor, fatores que dificultam o processo de denúncia.

Valquiria Gomes sugere articular parceria entre as instituições de ensino e a Secretaria de Segurança Pública para trabalhar a elaboração de estudos acerca do tema, por meio de disciplinas nos programas de graduação e pós-graduação que enfoquem o atendimento à mulher em situação de violência.

Além disso, a pesquisadora propõe a implementação de políticas públicas em prol da assistência preventiva. “É importante destacar que o homicídio ou a violência contra essa mulher não afeta somente a vítima, e, sim, a todos que presenciam ou convivem com essa situação. Apesar da evolução significativa da posição da mulher na sociedade e dos avanços obtidos na legislação brasileira quanto à garantia dos seus direitos, os homicídios de mulheres continuam aumentando”, lamenta Valquiria Gomes.

Para denunciar casos de violência doméstica:

  • Disque 180: o Disque-Denúncia foi criado pela Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM). A denúncia é anônima e gratuita, disponível 24 horas, em todo o país.
  • Disque 100: o Disque 100 recebe, analisa e encaminha denúncias de violações de direitos humanos, portanto também lida com violência doméstica. O serviço é gratuito e está disponível diariamente.
  • Delegacia da mulher: local especializado para prestar queixa e realizar o Boletim de Ocorrência. Acesse policiacivil.pa.gov.br para saber a localização da delegacia mais próxima.
  • Polícia Militar (190): a vítima ou a testemunha podem procurar uma delegacia comum, na qual deve ter prioridade no atendimento, ou mesmo pedir ajuda por meio do telefone 190.
  • Defensoria Pública: defensores públicos orientam as vítimas quanto às questões jurídicas. No caso de violência doméstica, a Defensoria Pública pode auxiliar a vítima pedindo uma medida protetiva a um(a) juiz(a).

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

Jornal Beira do Rio: Ed.153 - Fevereiro e Março de 2020

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